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sábado, 21 de maio de 2011

O limite da floresta

Grupo de São Paulo identifica os sinais que precedem extinções em série na mata atlântica
A  mata atlântica é uma floresta aos pedaços. Segundo estimativas recentes, restam de 11% a 16% de sua cobertura original, a maior parte na forma de fragmentos com menos de 50 hectares de vegetação contínua, cercados de plantações, pastagens e cidades. Há tempos se sabe que essa arquitetura desarticulada dificulta a recuperação da floresta, uma das 10 mais ameaçadas do mundo. Agora as equipes do ecólogo Jean Paul Metzger e da zoóloga Renata Pardini, ambos da Universidade de São Paulo (USP), constataram que, para cada grupo de animais vivendo nessa paisagem retalhada, existe um ponto de não retorno, um limite mínimo de cobertura vegetal nativa que precisa ficar de pé para manter a variedade de espécies de certa região. Quando o desmatamento ultrapassa esse limite, a maioria das espécies é extinta em todos os trechos de mata da área.

Por quase uma década 60 pesquisadores coordenados por Metzger coletaram informações sobre a abundância e a diversidade de anfíbios, aves e pequenos mamíferos em dezenas de trechos de mata atlântica no Planalto Ocidental Paulista, as terras em declive que se estendem da serra do Mar rumo a oeste e ocupam quase metade do estado. Ao comparar os dados, os pesquisadores observaram quedas dramáticas na biodiversidade dos fragmentos de regiões próximas e parecidas, que diferiam apenas em área total de vegetação nativa.

Uma paisagem com 50% de suas matas preservadas, ainda que dispersas em fragmentos, por exemplo, apresentou uma diversidade de aves sensíveis à perda de vegetação três vezes maior do que uma paisagem semelhante com 30% de vegetação. Pequenos mamíferos como a cuíca Marmosops incanus, marsupial de pelagem cinza, olhos grandes e focinho alongado, resistiram mais à derrubada da floresta. Mas, mesmo para eles, o fim veio rápido uma vez atingido o limite. Houve uma queda de 60% a 80% no número de espécies quando a área de mata nativa encolhia para menos de um terço da original.

O estudo não fornece um valor único de área mínima de mata nativa necessária para manter intacta a biodiversidade do ecossistema. “Para outros grupos de animais, as perdas bruscas podem acontecer mais cedo ou mais tarde, dependendo da capacidade de deslocamento das espécies e da resistência a perturbações”, explica Metzger, que diz ser razoável o limite de desmatamento fixado para a mata atlântica pelo Código Florestal em vigor.

A análise dos dados permitiu a Renata e Metzger – com o auxílio de Adriana Bueno e Paulo Inácio Prado, também pesquisadores do Instituto de Biociências da USP, e de Toby Gardner, da Universidade de Cambridge, Inglaterra – chegar a uma explicação plausível de por que a biodiversidade dos fragmentos de mata atlântica diminuiu em algumas regiões, mas, em outras, se manteve parecida com a de trechos de vegetação contínua da serra do Mar. Em um artigo publicado em outubro de 2010 na revista PLoS One, eles apresentam um modelo conceitual de como isso aconteceria.

Segundo o modelo, o colapso das populações seria causado pela combinação de processos que ocorrem em duas escalas: local e regional. Os processos com efeito regional estão ligados à dificuldade de migrar de um fragmento de floresta para outro. Condicionada à área total de matas remanescentes na região, essa dificuldade aumenta com o avanço do desmatamento, pois crescem exponencialmente as distâncias separando os trechos de florestas – e muitas espécies, até pássaros como o trepador-coleira (Anabazenops fuscus), não se deslocam de um fragmento a outro quando há pastagens ou estradas no caminho. Presos a áreas restritas, essas espécies se tornam mais suscetíveis a processos que influenciam as extinções em escala local, como a redução na área dos fragmentos, que diminui o tamanho das populações.

O mais importante é que esse modelo pode orientar decisões sobre o melhor modo de aplicar recursos para conservar e recuperar a mata atlântica. Segundo os pesquisadores, ele prevê, por exemplo, que os eventos que precedem a extinção dariam pistas de sua chegada com antecedência. A maneira como as espécies se distribuem nos fragmentos de uma região sinaliza quando a biodiversidade está no limite de cair abruptamente, mas ainda tem boa chance de ser recuperada. “Nessas condições, pequenos investimentos de restauração que facilitem o fluxo de animais entre os fragmentos produziriam um retorno grande”, diz Metzger. “Se quisermos aumentar a cobertura florestal da mata atlântica com ganhos rápidos de diversidade biológica, é nessa faixa [regiões com 20% a 40% de remanescentes] que temos de atacar.”

Um dos fundamentos do modelo é a evolução da geometria dos fragmentos, que Metzger e outros pesquisadores passaram a compreender melhor ao simular em computador como o desmatamento recorta uma floresta virtual. Essas simulações sugerem que, à medida que a vegetação nativa de uma região diminui, ocorre uma transformação fundamental em uma característica dos fragmentos de floresta: a distância entre eles, que no início cai de modo gradual, passa a aumentar exponencialmente.

A partir desses resultados, confirmados em paisagens reais por Metzger e pesquisadores de outros países, o grupo da USP começou a se questionar se a evolução da geometria dos fragmentos poderia afetar a biodiversidade de uma região por influenciar dois fenômenos bem conhecidos dos ecólogos.

Um deles é a influência que a área de um fragmento exerce sobre a probabilidade de sobrevivência de uma população. Quanto maior a área, maiores as populações das espécies que vivem ali – e, portanto, menores os riscos de serem extintas por um evento ao acaso, como o nascimento exclusivo de fêmeas em um ano ou a ocorrência de um desastre natural.


Isolamento - Por esse raciocínio, a biodiversidade de um fragmento deveria ser proporcional à sua área. Mas essa é apenas parte da história. “Não é só o tamanho do fragmento que importa, mas também a paisagem em que ele está inserido”, explica Renata. Afinal, os fragmentos não são ilhas perfeitamente isoladas. Se estiverem próximos o suficiente uns dos outros, muitas espécies de animais podem viajar entre eles, evitando a extinção de populações nos fragmentos menores. “Esse é o efeito resgate”, conta. “Apesar de um fragmento ser pequeno e o risco de extinção grande, a população se mantém por causa da migração.”

Os pesquisadores imaginaram então que no processo de desmatamento, antes de ocorrer o aumento acelerado da distância entre os fragmentos, esses trechos de floresta estariam ainda próximos o suficiente uns dos outros para que o efeito resgate mantivesse a biodiversidade alta em toda a região. Com a diminuição das matas remanescentes, porém, esse efeito perde força e a diversidade dos fragmentos pequenos diminui, embora a biodiversidade total da região seja preservada, com a maioria das espécies concentrada nos fragmentos maiores. Nesse estágio, é possível observar na região o efeito do tamanho dos fragmentos, que torna a diversidade de espécies de um fragmento proporcional à sua área.

Esse efeito predomina até que o desmatamento passe a aumentar exponencialmente a distância entre os trechos de floresta. Ultrapassado esse limite, o efeito resgate cessa e o risco de extinção das populações aumenta para grande parte das espécies, que somem tanto dos grandes fragmentos como dos pequenos.


Teste do modelo - O passo seguinte foi testar se o modelo previa a distribuição das espécies que o grupo da USP havia observado no trabalho de campo feito entre 2000 e 2009 no interior paulista, com apoio da FAPESP, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e do Ministério Federal de Educação e Pesquisa da Alemanha. No projeto, os pesquisadores fizeram o levantamento de anfíbios, aves e pequenos mamíferos em três áreas de 10 mil hectares com diferentes graus de mata nativa preservada (50%, 30% e 10%) e em três áreas de mata atlântica contínua na serra do Mar.

Depois de capturar os animais e identificar suas espécies, os pesquisadores os separaram em dois grupos: o das espécies especialistas, que só habitam trechos de mata atlântica; e o das generalistas, capazes de sobreviver tanto na floresta como em áreas modificadas pela ação humana, como plantações e pastagens. A classificação foi essencial para comparar os dados do levantamento com as previsões teóricas sobre o efeito da fragmentação, que deveriam ser observadas apenas  para as espécies especialistas.

No caso dos pequenos mamíferos, das 39 espécies encontradas, 27 eram especialistas. Para estas, os padrões de diversidade observados foram os esperados. Na região com 50% de cobertura nativa, tanto fragmentos grandes como pequenos continham quase todas as espécies achadas na região de mata contínua vizinha. Essas mesmas espécies também estavam na região com 30% de mata, mas concentradas nos fragmentos maiores. Já na região com 10% de floresta, o limiar de desmatamento havia sido ultrapassado e a diversidade era uniformemente baixa: seus fragmentos, independentemente da área, abrigavam de três a cinco vezes menos espécies especialistas do que a região de mata contínua.

Os pesquisadores notaram ainda que, na ausência de espécies especialistas, as populações das espécies generalistas explodiram na região com 10% de mata. Em áreas com 50% de floresta foram capturados 63 roedores Oligoryzomys nigripes, uma espécie generalista, enquanto o número saltou para 409 na região com menos mata. O dado preocupa. Esse roedor é o principal reservatório na mata atlântica do vírus causador da hantavirose humana e sua presença em pastos e plantações pode aumentar o risco de contágio das pessoas.

Esse é só um exemplo do impacto que a perda de biodiversidade pode ter sobre a saúde e a qualidade de vida humanas. Outros serviços prestados pelos ecossistemas naturais, como a polinização de plantações e o controle de pragas agrícolas, também podem desaparecer. “Não queremos preservar a biodiversidade para manter museus vivos, mas para manter os serviços que os ecossistemas desses remanescentes prestam”, diz o ecólogo Thomas Lewinsohn, da Universidade Estadual de Campinas, que não participou da pesquisa.

Para Lewinsohn, o trabalho dos grupos de Renata e de Metzger representa um salto qualitativo na ecologia, por combinar um estudo de campo difícil de realizar, com um modelo teórico que explora as consequências finais de diferentes efeitos, antes discutidos de maneira separada pelos pesquisadores que investigam a redução e a fragmentação de ambientes naturais em todo o mundo. “Eles deram uma contribuição importante para o entendimento das consequências da perda de florestas para a biodiversidade”, comenta o ecólogo Ilkka Hanski, da Universidade de Helsinque, na Finlândia, pioneiro na pesquisa do impacto das transformações no hábitat sobre comunidades de plantas e animais. “Esse estudo deve se tornar altamente influente na biologia da conservação.”

Artigo científico
PARDINI, R. et al. Beyond the fragmentation threshold hypothesis: regime shifts in biodiversity across fragmented landscapesPLoS One. 23 out. 2010.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Revisão sem sustentação científica



Agência FAPESP (19/7/2010, Por Fábio de Castro) – A revisão do Código Florestal brasileiro, em votação no Congresso Nacional, está provocando sérias preocupações na comunidade científica e suscitando diversas manifestações no Brasil e no exterior.


Com uma possível aprovação do relatório que propõe mudanças na legislação ambiental, o Brasil estaria “arriscado a sofrer seu mais grave retrocesso ambiental em meio século, com consequências críticas e irreversíveis que irão além das fronteiras do país”, segundo carta redigida por pesquisadores ligados ao Programa Biota-FAPESP e publicada na sexta-feira (16/7), na revista Science.

O texto é assinado por Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), Thomas Lewinsohn, do Departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luciano Verdade e Luiz Antonio Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da USP, Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, e Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia da Unicamp.

As novas regras, segundo eles, reduzirão a restauração obrigatória de vegetação nativa ilegalmente desmatada desde 1965. Com isso, “as emissões de dióxido de carbono poderão aumentar substancialmente” e, a partir de simples análises da relação espécies-área, é possível prever “a extinção de mais de 100 mil espécies, uma perda massiva que invalidará qualquer comprometimento com a conservação da biodiversidade”.

A comunidade científica, de acordo com o texto, foi “amplamente ignorada durante a elaboração” do relatório de revisão do Código Florestal. A mesma crítica foi apresentada em carta enviada por duas das principais instituições científicas do país, no dia 25 de junho, à Comissão Especial do Código Florestal Brasileiro na Câmara dos Deputados.

Assinada por Jacob Palis e Marco Antonio Raupp, respectivamente presidentes da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), a carta defende que o Código Florestal, embora passível de aperfeiçoamentos, é a “peça fundamental de uma legislação ambiental reconhecida com uma das mais modernas do mundo”.

A reformulação do código, segundo o texto, baseia-se na “premissa errônea de que não há mais área disponível para expansão da agricultura brasileira” e “não foi feita sob a égide de uma sólida base científica, pelo contrário, a maioria da comunidade científica não foi sequer consultada e a reformulação foi pautada muito mais em interesses unilaterais de determinados setores econômicos”.

Entre as consequências de uma aprovação da proposta de reformulação, a carta menciona um “aumento considerável na substituição de áreas naturais por áreas agrícolas em locais extremamente sensíveis”, a “aceleração da ocupação de áreas de risco em inúmeras cidades brasileiras”, o estímulo à “impunidade devido a ampla anistia proposta àqueles que cometeram crimes ambientais até passado recente”, um “decréscimo acentuado da biodiversidade, o aumento das emissões de carbono para a atmosfera” e o “aumento das perdas de solo por erosão com consequente assoreamento de corpos hídricos”.

No dia 16 de junho, as lideranças da Câmara dos Deputados também receberam carta do geógrafo e ambientalista Aziz Nacib Ab’Sáber – professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP –, que fez duras críticas ao relatório de reformulação da legislação.

Reconhecido como um dos principais conhecedores do bioma amazônico, Ab’Sáber defendeu que, “se houvesse um movimento para aprimorar o atual Código Florestal, teria que envolver o sentido mais amplo de um Código de Biodiversidades, levando em conta o complexo mosaico vegetacional de nosso território”. Segundo o geógrafo, a proposta foi apresentada anteriormente ao Governo Federal, mas a resposta era de que se tratava de “uma ideia boa mas complexa e inoportuna”.

No documento, Ab’Sáber afirma que “as novas exigências do Código Florestal proposto têm um caráter de liberação excessiva e abusiva”. Segundo ele, “enquanto o mundo inteiro repugna para a diminuição radical de emissão de CO2, o projeto de reforma proposto na Câmara Federal de revisão do Código Florestal defende um processo que significará uma onda de desmatamento e emissões incontroláveis de gás carbônico”.

Mudanças para pior
De acordo com Joly, que é coordenador do Biota-FAPESP, caso a reformulação seja aprovada, o Código Florestal mudará para pior em vários aspectos. “Essas manifestações da comunidade científica vão continuar, porque a situação é muito grave. Se essas mudanças forem aprovadas teremos um retrocesso de meio século na nossa legislação ambiental, com consequências profundamente negativas em diversas dimensões”, disse à Agência FAPESP.

Segundo ele, as mudanças terão impacto negativo sobre a conformação das Áreas de Proteção Permanente (APP) e Reservas Legais (RL) e sobre o funcionamento da regularização de propriedades em situação ilegal. Atualmente, explica, os proprietários que não possuem RL ou APPs preservadas estão sujeitos a multas caso se recusem a recuperar as áreas degradadas, ou quando realizarem desmatamento ilegal. Nessas condições, podem até mesmo ter sua produção embargada.

“Mas se a proposta de mudança for aprovada, os Estados terão cinco anos, após a aprovação da lei, para criar programas de regularização. Nesse período ninguém poderá ser multado e as multas já aplicadas serão suspensas. Aqueles que aderirem à regularização poderão ser dispensados definitivamente do pagamento de multas. Ficarão livres também da obrigação de recuperar as áreas ilegalmente desmatadas”, explicou.

Em relação às APPs, a legislação atual protege no mínimo 30 metros de extensão a partir das margens de rios, encostas íngremes, topos de morros e restingas. Quem desmatou é obrigado a recompor as matas.

Se a nova proposta for aprovada, a faixa mínima de proteção nas beiras de rios será reduzida a 15 metros. Topos de morro e áreas acima de 1.800 metros deixam de ser protegidas. As demais áreas, mesmo formalmente protegidas, poderão ser ocupadas por plantações, pastagens ou construções, caso tenham sido desmatadas até 2008 e forem consideradas “áreas consolidadas”.

“As principais candidatas a se tornar áreas consolidadas são justamente as áreas irregularmente ocupadas, que sofrem com enchentes, deslizamentos, assoreamento e seca de rios. Como não haverá recuperação e as ocupações permanecerão, essas áreas serão condenadas a conviver eternamente com esses problemas, perpetuando tragédias como as de Angra dos Reis, do Vale do Itajaí e Alagoas”, disse Joly.

No que diz respeito à RL, a lei atual impõe um mínimo de vegetação nativa em todas as propriedades: de 20% do tamanho dos imóveis situados em áreas de Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampas e, na Amazônia Legal, 35% nas áreas de Cerrado e 80% nas de floresta. Quem não tem a área preservada precisa recuperar espécies nativas ou compensar a falta de reserva no imóvel com o arrendamento de outra área preservada situada na mesma bacia hidrográfica.

Com a nova proposta, as propriedades com até quatro módulos fiscais (20 a 440 hectares, dependendo da região do país) não precisam recuperar a área caso o desmatamento tenha ocorrido até a promulgação da lei. Nas demais propriedades será preciso recuperar a vegetação, mas o cálculo não será feito com base na área total do imóvel: a base de cálculo é a área que exceder quatro módulos fiscais.

Além disso, as compensações poderão ser feitas com áreas situadas a milhares de quilômetros da propriedade, desde que no mesmo bioma. O proprietário terá também a opção de fazer a compensação em dinheiro, com doação a um fundo para regularização de unidades de conservação.

“Como mais de 90% dos imóveis rurais têm até quatro módulos fiscais, boa parte deles concentrados no Sul e Sudeste, haverá grandes áreas do país em que simplesmente não haverá mais vegetação nativa, pois são essas áreas também que abrigam o maior número de APPs com ocupação ‘consolidada’. Há ainda um grande risco de que propriedades maiores sejam artificialmente divididas nos cartórios para serem isentas da obrigação de recuperação – algo que já está ocorrendo”, destacou Joly.

A proposta de reformulação proíbe a fragmentação das propriedades. Mas, segundo Joly, a fiscalização e coibição é extremamente difícil e, por isso, a anistia não ficará restrita às pequenas propriedades. “Os poucos que forem obrigados a recompor áreas desmatadas poderão fazer isso com espécies exóticas em até metade da propriedade, ou optar por arrendar terras baratas em locais distantes, dificultando a fiscalização”, disse.

Desproteção e impacto nas águas
Ricardo Ribeiro Rodrigues, que coordenou o programa Biota-FAPESP de 2004 a 2008, criticou o principal argumento para a defesa da reforma do Código Florestal: a alegação de que não existe mais área disponível para expansão da agricultura brasileira.

“O principal erro desse código novo é que ele não considera as áreas que foram disponibilizadas para a agricultura historicamente, mas que são de baixa aptidão agrícola e por isso são subutilizadas hoje, sem papel ambiental e com baixo rendimento econômico, como os pastos em alta declividade”, afirmou.

Segundo ele, o entorno das rodovias Dutra e D. Pedro, na região da Serra da Mantiqueira e Serra do Mar, são exemplos de áreas de uso agrícola inadequado que poderiam ser revertidas para florestas nativas, para compensação de RL de fazendas com elevada aptidão agrícola. “Se isso não for feito, essas áreas continuarão sendo mal utilizadas. Podemos encontrar exemplos semelhantes em todo o território brasileiro”, disse.

Outro impacto negativo da proposta de modificação do Código para a restauração, segundo Rodrigues, é a anistia proposta para as APPs irregulares. “Quem degradou as APPs não vai precisar recuperar e, pior, poderá continuar usando a área desmatada. Quem preservou vai ser punido”, explicou.

Segundo ele, um inventário produzido pelo Biota-FAPESP este ano mostra que mais de 70% dos remanescentes florestais no Brasil estão fora das Unidades de Conservação e se localizam em propriedades privadas. “Se não tivermos mecanismos legais para a conservação dessas áreas – como a RL e APP do código atual – elas vão ser degradadas depois da moratória de cinco anos determinada na proposta de alteração do Código”, afirmou.

A reformulação do Código Florestal deverá diminuir a eficiência dos mecanismos legais de proteção ambiental. Uma das consequências mais graves será o impacto na qualidade da água. De acordo com José Galizia Tundisi, do Instituto Internacional de Ecologia, de São Carlos (SP), com o solo mais exposto, haverá um aumento da erosão e do assoreamento de corpos d’água, além da contaminação de rios com fertilizantes e agrotóxicos.

“A preservação de mosaicos de vegetação, florestas ripárias – ou matas ciliares – e de áreas alagadas é fundamental para a manutenção da qualidade da água de rios, lagos e represas. Essa vegetação garante a capacidade dos sistemas para regular o transporte de nutrientes e o escoamento de metais e poluentes. Esses processos atingem tanto as águas superficiais como as subterrâneas”, disse à Agência FAPESP.

O processo de recarga dos aquíferos, segundo Tundisi, também depende muito da cobertura vegetal. A vegetação retém a água que, posteriormente, é absorvida pelos corpos d’água subterrâneos. Com o desmatamento, essa água escoa e os aquíferos secam.

Tundisi criticou também a diminuição da delimitação das áreas preservadas em torno de rios. “Essa delimitação de faixas marginais é sempre artificial, seja qual for a metragem. Não é possível estabelecer de forma geral uma área de preservação de 15 metros dos dois lados do leito dos rios. Seria preciso delimitar caso a caso, porque a necessidade de preservação varia de acordo com a ecologia do entorno e os padrões de inundação do sistema. A delimitação deve ter caráter ecológico e não se basear em metragens”, ressaltou.

A modificação na legislação, para Tundisi, vai na contramão das necessidades de preservação ambiental. “Seria preciso preservar o máximo possível as bacias hidrográficas. Mas o projeto prevê até mesmo o cultivo em várzeas, o que é um desastre completo. Enquanto existem movimentos mundiais para a preservação de várzeas, nós corremos o risco de ir na contramão”, afirmou.

Para Tundisi, com o impacto que provocará nos corpos d’água, a aprovação da modificação no Código Florestal prejudicará gravemente o próprio agronegócio. “Se não mantivermos as áreas de proteção, a qualidade da água será afetada e não haverá disponibildade de recursos hídricos para o agronegócio. Fazer um projeto de expansão do agronegócio às custas da biodiversidade é uma atitude suicida”, disse.

A agricultura deverá ser prejudicada também com o aumento do preço da água. “Trata-se de algo cientificamente consolidado: o custo do tratamento da água aumenta à medida que diminui a proteção aos mananciais”, disse o cientista. 

Argumentação desmontada

Luiz Antonio Martinelli, pesquisador do Cena-USP e professor convidado da Universidade de Stanford, afirma que o Código Florestal, criado em 1965, de fato tem pontos que necessitam de revisão, em especial no que diz respeito aos pequenos agricultores, cujas propriedades eventualmente são pequenas demais para comportar a presença das APPs e a RL.

“Mas, qualquer que seja a reformulação, ela deve ter uma base científica sólida. Essa foi a grande falha da modificação proposta, que teve o objetivo político específico de destruir ‘empecilhos’ ambientais à expansão da fronteira agrícola a qualquer custo”, disse Martinelli.

Segundo ele, o argumento central da proposta de reformulação foi construído a partir de um “relatório cientificamente incorreto encomendado diretamente pelo Ministério da Agricultura a um pesquisador ligado a uma instituição brasileira de pesquisa”.

“O relatório concluía que não haveria área suficiente para a expansão agrícola no país, caso a legislação ambiental vigente fosse cumprida ao pé da letra. O documento, no entanto, foi produzido de forma tão errônea que alguns pesquisadores envolvidos em sua elaboração se negaram a assiná-lo”, apontou.

O principal argumento para as reformas, segundo o pesquisador, baseia-se na alegação de que há um estrangulamento da expansão de terras agrícolas, supostamente bloqueado pelas APPs e RL. Para os proponentes da mudança, esses mecanismos de proteção ambiental tornam a legislação atual excessivamente rigorosa, bloqueando o avanço do agronegócio. Esse bloqueio, no entanto, não existe, afirma. “A falácia desse argumento foi cientificamente desmontada.”

Martinelli cita estudo coordenado por Gerd Sparovek, pesquisador da Esalq-USP, que usou sensoriamento remoto para concluir que a área cultivada no Brasil poderá ser praticamente dobrada se as áreas hoje ocupadas com pecuária de baixa produtividade forem realocadas para o cultivo agrícola.

“Melhorando a eficiência da pecuária em outras áreas por meio de técnicas já conhecidas, não há qualquer necessidade de avançar sobre a vegetação natural protegida pelo Código Florestal atual”, disse.

As pastagens ocupam hoje, segundo Martinelli, cerca de 200 milhões de hectares, com aproximadamente 190 milhões de cabeças de gado. “Caso dobremos a lotação de uma para duas cabeças de gado, liberamos cerca de 100 milhões de hectares. A área ocupada pelas três maiores culturas – soja, milho e cana – cobrem uma área aproximada de 45 milhões de hectares. Portanto, com medidas simples de manejo poderemos devolver para a agricultura uma área equivalente ao dobro ocupado pelas três maiores culturas brasileiras”, afirmou.

A operação não seria tão simples, segundo o pesquisador, já que envolve questões de preço da terra e mercado agrícola, por exemplo. Mas a aproximação dá uma ideia de como é possível gerar terras agriculturáveis sem derrubar nenhuma árvore.

Para o pesquisador do Cena-USP, a maior parte das reformulações propostas tem o único propósito de aumentar a área agrícola a baixo custo. “O mais paradoxal é que as mudanças beneficiam muito mais os proprietários de grandes extensões de terra do que pequenos produtores”, disse.

Martinelli afirmou ainda que não acredita que as mudanças no Código Florestal possam beneficiar o desenvolvimento da produção de alimentos no Brasil. Segundo ele, se houvesse preocupação real com a produção de alimentos, o governo deveria ampliar e facilitar o crédito ao pequenos produtores, investir em infraestrutura – como estradas e armazenamento – para auxiliar o escoamento desses produtos e, principalmente, investir maciçamente em pesquisas que beneficiassem essas culturas visando a aumentar sua produtividade.

“Quem sabe com um aumento considerável na produtividade pequenos agricultores pudessem manter suas áreas de preservação permanente e suas áreas de reserva legal, gerando vários serviços ambientais que são fundamentais para a agricultura”, disse.


Novos debates
No dia 7 de julho, a SBPC reuniu em sua sede em São Paulo um grupo de cientistas ligados à temática do meio ambiente para iniciar uma análise aprofundada sobre o assunto, do ponto de vista econômico, ambiental e científico.

O evento teve a participação de Raupp, Ab’Sáber, Joly, Martinelli, Rodrigues, além de Ladislau Skorupa, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Carlos Afonso Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e João de Deus Medeiros, do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Os cientistas formaram um grupo de trabalho para emitir pareceres sobre as mudanças do Código Florestal. Na Reunião Anual da SBPC, que será realizada em Natal (RN) entre 25 e 30 de julho, uma mesa-redonda discutirá o tema.

Outra reunião, prevista para a segunda quinzena de agosto, deverá sistematizar todas as sugestões do grupo em um documento a ser divulgado nos meios de comunicação e encaminhado aos congressistas.

No dia 3 de agosto, o programa BIOTA-FAPESP realizará o evento técnico-científico "Impactos potenciais das alterações do Código Florestal Brasileiro na biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos". Na oportunidade, especialistas farão uma avaliação dos possíveis impactos que as alterações do Código terão sobre grupos taxonômicos específicos (vertebrados e alguns grupos de invertebrados), bem como em termos de formações (Mata Atlântica e Cerrado) e de serviços ecossistêmicos (como ciclos biogeoquímicos e manutenção de populações de polinizadores). Além de reforçar a base cientifica sobre a importância das APP e de RL para conservação da biodiversidade, o evento visa a subsidiar a ABC e a SBPC no posicionamento sobre essa temática.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Brazilian Important Bird Areas get protection



Brazilian Important Bird Areas get protection

11-06-2010

Brazilian President, Luiz Inacio Lula da Silva, has signed the creation of the Boa Nova National Park and the Boa Nova Wildlife Refuge, safeguarding this biodiverse Important Bird Area (IBA) and creating 27,000 hectares of new protected area.

Pedro Develey
Boa Nova IBA, located in south-west Bahia state, has a unique flora and fauna due to the overlap of two biomes 



Boa Nova IBA, located in south-west Bahia state, has a unique flora and fauna due to the overlap of two biomes: lush montane Atlantic Forest, and semi-arid caatinga. The dry deciduous forest of the transitional area, known as mata-de-cipó, is the habitat of two restricted range species, the Endangered Slender Antbird Rhopornis ardesiacus and Near Threatened Narrow-billed Antwren Formicivora iheringi. Three hundred and ninety six bird species have been recorded to date at Boa Nova, 14 of which are globally threatened and 17 Near Threatened.
During the event, President Lula also signed the creation of the Serra das Lontras National Park, another IBA where 16 globally threatened bird species occur, and the creation of the Alto Cariri National Park, in addition to the expansion of the Pau Brasil National Park. Together, these areas will protect about 60,000 hectares of Atlantic Forest, one of the most threatened biomes in the world.
"This is one of the greatest victories for bird conservation in Brazil. These new protected areas are all IBAs, including two sites considered priorities for action by SAVE Brasil. When we initiated our work at these sites they were known by only a few ornithologists, now they are recognised at the national level, and the chances for the survival of an impressive number of threatened bird species have increased considerably", said Jaqueline Goerck, Director-President of SAVE Brasil (BirdLife Partner).
The creation of the protected areas at Boa Nova and Serra das Lontras is a milestone in the efforts for the protection of the region’s biodiversity. SAVE Brasil has been working on both areas for several years, in partnership with governments, non-governmental organisations and local communities, and supporting the process that culminated with the creation of these protected areas.

Arthur Grosset www.arthurgrosset.com
Boa Nova IBA is home to the Endangered Slender Antbird 
"This is one of the greatest victories for bird conservation in Brazil" —Jaqueline Goerck, SAVE Brasil
The Serra das Lontras Forest Complex comprises montane and lowland forests. This gradient of vegetation enables the occurrence of rich bird diversity: 330 species recorded so far, 16 of which are globally threatened and 13 Near Threatened. Serra das Lontras is also a hot spot of plant diversity with 735 angiosperm species, 150 species of ferns and lycophytes. At least 38 species of mammals also occur, among them two primates and three felids threatened with extinction.
The region is also characterized by the traditional cultivation of cacao in cabruca, an agroforestry system that favors the conservation of biodiversity for being associated to areas of native Atlantic Forest. However, because of the cacao crisis, producers have been forced to substitute the cabrucas with more aggressive land uses which degrade forests and threaten the survival of the region’s rich biodiversity.
"Now that these protected areas are created, the next step is to develop and apply their management plans. SAVE Brasil will continue to be involved in this process, working with the Brazilian government to ensure the effective implementation of these protected areas and the long term survival of their unique biodiversity", said Goerck.
The work developed by SAVE Brasil on public policies is funded by the Aage V Jensen Charity Foundation. The conservation programme at Boa Nova is funded by the Brazilian Ministry of the Environment - Ecological Corridors Project, KFW, Nature Canada and Ricoh Co. Ltd. A project for the conservation and sustainable development of Serra das Lontras was funded by the European Union, from 2005 to 2009. The project was developed by BirdLife International, in partnership with SAVE Brasil and Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia (IESB).

terça-feira, 11 de maio de 2010

Doença mortal para anuros


Agência FAPESP (11/5/2010) – A dinâmica de uma doença mortal que tem dizimado populações de anfíbios por todo o mundo foi descrita em uma nova pesquisa, que será publicada esta semana no site e em breve na edição impressa da revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

A pesquisa destaca que é a intensidade da infecção – isto é, a gravidade da doença entre indivíduos –, e não apenas a sua presença ou ausência, o que determina se populações de anuros sobreviverão ou sucumbirão à quitridiomicose, doença causada pelo fungo Batrachochytrium dendrobatidis.

Os pesquisadores conseguiram identificar um ponto perigoso na intensidade da infecção, além do qual a doença causa mortalidade e extinção em massa. Segundo eles, episódios seguidos de infecção fazem com que a doença atinja esse limite.

“Verificamos que a mortalidade em massa apenas ocorre quando a severidade da infecção atinge um limite crítico entre os indivíduos. Agora que sabemos qual é esse limite, que se trata de um número específico de esporos fúngicos por anuro, os trabalhos de conservação poderão ser capazes de salvar espécies suscetíveis ao prevenir que a doença atinja tal ponto”, disse Vance Vredenburg, professor da Universidade Estadual em São Francisco, nos Estados Unidos, um dos autores da pesquisa.

Inicialmente, Vredenburg e colegas rastrearam a invasão e a distribuição da quitridiomicose em rãs na Sierra Nevada, na Califórnia, durante um período de 13 anos, com foco especificamente em duas espécies de rãs, Rana muscosa e Rana sierrae.

O grupo verificou que a doença é particularmente destrutiva quando invade uma população que até então não estava exposta, de modo semelhante à epidemia de varíola que matou milhões de pessoas nos séculos 17 e 18.

“Quando a quitridiomicose atinge populações de hospedeiros pela primeira vez, ela se espalha tão rapidamente que os processos naturais costumeiros que fazem com que um patógeno não cause extinção não têm chance de entrar em ação”, disse Vredenburg.

“Estamos vivendo em uma época em que o movimento global de pessoas e de mercadorias está provavelmente espalhando essa doença para áreas em que ela não existia, interrompendo o equilíbrio natural entre o patógeno e seu hospedeiro”, apontou.

A quitridiomicose já promoveu o desaparecimento de mais de 200 espécies de anuros (sapos, rãs ou pererecas) e representa uma grande ameaça à biodiversidade dos vertebrados, destacam os autores.

O artigo Dynamics of an emerging disease drive large-scale amphibian population extinctions (doi/10.1073/pnas.0914111107), de Vance T. Vredenburg, e outros, poderá ser lido em breve por assinantes da Pnas em www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.0914111107